A pergunta do título pode passar a dúbia impressão para muitos que as duas situações não são necessariamente excludentes, ou seja, que para ser, você não precisa deixar de ter ou vice-versa, e assim, que para se ter segurança não é necessário, analogamente, abrir mão da liberdade.
Porém, numa análise um pouco mais pragmática e profunda, infelizmente, a resposta é inexorável: ou se tem um ou se tem outro, mas nunca ambos.
A nossa sociedade materialista e mercantilista, calcada na posse, nos bens e no consumo, gerou com o passar de séculos e séculos uma atmosfera extremamente competitiva na qual para um vencer é necessário que outro perca. Nas instituições de ensino, desde o período escolar, o escopo não é o de formar cidadãos conscientes de seu papel social, ou sequer o de ensinar ideais de paz, valores verdadeiros e essenciais como o trabalho, a honestidade, o respeito, a cidadania e o mérito, mas pelo contrário, é cerceado em nossas crianças e adolescentes o senso crítico e a dádiva do questionamento, e, ainda pior, também é incutido nas mentes dos estudantes e na sociedade em vias gerais que sucesso e o “vencer na vida” estão refletidos nos bens e posses materiais acumulados, conquistados independentemente de qual maneira, por quais vias, como ter um carro, ter uma casa, ter roupas importadas, ter bons perfumes, ter, ter, ter, ter...
E toda e qualquer pessoa que pensa e age diferentemente destes moldes paradigmáticos é sumariamente feita como exemplo aos demais ao ser tratada como marginal, louca e etc.
Assim, todos tentam se enquadrar no status quo vigente, num desejo tragicômico de ser um dito cidadão respeitável com um trabalho convencional, o qual o explora, o faz infeliz a perder seu precioso tempo nesta experiência, mas que lhe paga os luxos e bens para assim poder ser efetivamente respeitado. Mas o ciclo vicioso é permanente – quanto mais se tem, crê-se precisar de mais, mas no fundo é um simples mais querer.
Há ainda uma esmagadora parcela da população que tentando entrar neste ciclo, mesmo com um trabalho miserável, ainda assim mal pode pagar suas contas. Mas o importante é o foco no “ter”, na busca por “segurança”.
Sempre há quem almeje segurança, pois de fato é algo atemorizante não ter dinheiro para pagar as contas, não ter comida, não ter um abrigo, saúde e etc., mas para se ter essa ilusória segurança, é, como supracitado, necessário abrir mão da liberdade. Como assim?
Sim! A tal segurança é ilusória. Ter dinheiro guardado para alguma emergência - é viver no futuro; trabalhar para somente conseguir pagar as contas - escravidão; temer a incerteza de um futuro indefinido - irracional; e viver infeliz a ter essa tal segurança - é prisão e doença, é não-liberdade!
Liberdade é estar presente e presente estar. Viver cada momento único como se não fosse haver um amanhã, e talvez não haja, e, um dia com toda certeza, NÃO HAVERÁ!

Liberdade é ser feliz, precisar de pouco, viver com pouco. É libertação de toda e qualquer amarra. É VIVER!
Nada como deitar a cabeça no travesseiro e estar pleno. Acordar todo dia e perceber a dádiva sublime que nos é dada a cada instante, a cada inspiração e expiração.
Não é saudável psicológica, física e principalmente espiritualmente, adaptar-se a uma sociedade doentia.
Quase ninguém mais tem tempo - pois “tempo é dinheiro” (time is money) – para ver as maravilhas da natureza, o sol, sentir o vento, passar mais tempo com os entes amados, respirar e sentir o ar... e o tempo passa...
...e depois de tanto lutar para TER, quando o tempo e a vida se esvaem, TÊ-LOS é pretérito... quando se percebe que nunca se teve NADA.
A vida dá voltas malucas, mas magníficas, sempre no intento de nos ensinar. Vejo muitas pessoas mais velhas que juntaram dinheiro a vida toda e agora gastam com saúde, ou que tiveram muito e agora não tem mais nada. Tudo o que ouço destas e de pessoas no leito de morte dizerem é que gostariam de ter mais TEMPO, amado mais, estado mais presente, mas nenhuma delas diz querer ter tido mais posses, mais bens ou dinheiro.
PPPP (Pra parar pra pensar!)
Para encerrar, deixo-vos o poema 44 do TAO TE CHING, uma das mais importantes obras literárias-filosóficas da Humanidade.
Que vale mais:
Meu nome de família ou meu Ser?
Que é mais meu:
Minhas posses externas ou meu íntimo Ser?
Que me é mais importante:
Meus lucros ou minhas perdas?
Quem prende seu coração a algo
Está preso.
Quem deseja possuir tesouros
É um pobre possesso.
Quem vive satisfeito
É feliz com os satisfeitos.
Quem respeita os seus limites
Não corre perigo.
Isso gera verdadeira serenidade.
De dentro vem o que por fora se revela.
(Lao Tsé – Tao Te Ching, poema 44)
Deixo também este pequeno jogo poético de palavras que fiz há algum tempo:
Sejamos livres como os pássaros a cantar todos os dias, sem medo, sem amarras, sem preocupações com posses ou acúmulo de bens, pois os pássaros sabem que o Universo sempre proverá tudo quanto for necessário para a continuidade desta experiência – os cinco “AS” - o alimento, o abrigo, a água, o ar e o amor.
Abraços fraternais,
Rafåtís